Carta Suicida #47
- Bruno César Vieira
- 6 de jun. de 2013
- 2 min de leitura
Pelos anos aqui vividos, sei que, por meros protocolos sociais, tenho que escrever isso para demonstrar um pouco das minhas últimas considerações.
Mas, diferente de todas as outras 46 que já escrevi, desta vez vou ser diferente. Não vou falar sobre motivos, nem culpar pessoas pela minha decisão. Pelo contrário, irei apenas dar aquele adeus gostoso, como quando uma visita querida está indo embora, e você se despede, mas não quer que ela vá. Pois é.
Mas sempre pedem motivos. Quero ver minha vizinha velha dizendo:
— Você ficou sabendo? Moço bonito, jovem, com uma vida inteira pela frente...
Ou aquele conhecido da escola, comentando com preocupação:
— Eu estudei com ele... O que será que aconteceu?
Não os julgo. Sei que o inesperado e o diferente chamam atenção. Sei que não é hipocrisia. Eu realmente sou um jovem bonito com toda uma vida pela frente. Mas eu desisti. Assim como você desliga um videogame sem salvar, simplesmente porque não quer mais jogar.
Todos os pensamentos além disso são firulas sem sentido. No final, tudo vira estatística, números e dados. E, na real, é isso que importa de verdade.
Não sei ainda como será. Mas não quero atrapalhar sua viagem de metrô. Nem usar cordas, porque é algo muito forte e bruto. Também não quero usar armas brancas ou de fogo — muita sujeira. Quero algo rápido e que dê pouco trabalho para quem for limpar.
No meu funeral, não quero nada demais. Coxinha, talvez coxinha. Sempre adorei coxinha. Dizem que só quem gosta de verdade de você vai ao seu funeral. Tardia lição, mas concordo. Por isso, quero oferecer coxinhas às pessoas que forem. Como um último gesto de gratidão por terem me acompanhado até na morte.
Mas sem chororô. Quero ser lembrado. Apenas isso.
Quero ser lembrado como aquele cara engraçado, em quem você sempre podia confiar. Aquele amigo para todas as horas, que, por mais séria que fosse a situação, sempre contaria uma piada. Quem sabe, ela até viraria bordão para outras situações semelhantes. Ou não.
Quero ser lembrado como aquele cara beberrão. Pois é, eu gosto de beber. Cerveja, por favor. Quero ser lembrado como aquele cara criativo. Tive uma ideia! Quero ser lembrado como o seu melhor namorado. Quero que se arrependa de ter me feito chorar, mas também que se lembre dos momentos bons antes das crises. Quero ser lembrado como caloteiro. Acho que estou devendo uma grana por aí, mas agora estou morto e isso não importa mais. Mas, por favor, lembre-se de nunca mais emprestar dinheiro para caras como eu.
Quero ser lembrado pelos meus vídeos e textos. Massagem no ego.
Quero ser lembrado pelos inúmeros foras, tocos e bolos que me deram. Quero que se lembrem de que passei boa parte da minha infância e adolescência apaixonado por uma garota baixinha, de cabelo cacheado, que nunca quis nada comigo.
Enfim. Quero que, daqui a 50 anos ou mais, sentado em sua cadeira de balanço, relembrando o hoje, você se lembre de mim e diga:
— Onde será que anda aquele pilantra, hein?
Mas aí, cai a ficha de que estou morto. E que talvez não dê tempo de ler a carta número 48.